Saúde pública brasileira - parte 1

INTRODUÇÃO


O presente artigo tem por objetivo esclarecer resumidamente, como a saúde pública brasileira se constituiu como direito social fundamental. Além disso, irei elucidar as bases que reorientaram o modelo de saúde pública no Brasil.

Historicamente alguns marcos importantes na atenção à saúde da população, bem como o combate das epidemias no século XX, apresentou três modelos hegemônico da saúde pública, sendo:

  1. O primeiro conhecido como sanitarista-campanhista;
  2. O segundo se deu a partir da década de 40, foi o modelo médico-assistencial-privatista;
  3. E finalmente na década de 80 com o declínio do regime militar o modelo universal, igualitário e descentralizado de saúde pública

Foi no final da década de 80, através da mobilização social e do movimento da reforma sanitária que a saúde pública foi instituída na Constituição Federal de 1988, antes disso a saúde era destinada apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social ou quem comprovava hipossuficiência para pagar pelo serviço privado, ou seja, para conseguir atendimento a pessoa precisava ir ao Serviço Social levando o atestado de pobreza comprovando que não possuía condições de pagar.

Além disso, o sistema público de saúde era centralizado e de responsabilidade federal, sem a participação dos usuários, baseava-se num modelo médico-hospitalar e a saúde era entendida como ausência de doenças.


A partir da década de 50 teremos iniciativas populares que lutavam pela igualdade na assistência à saúde, mas foi em 1986 na 8° Conferência Nacional de Saúde que se tem o resultado de uma grande conquista da sociedade e toda essa mobilização social deu origem ao sistema único de saúde - SUS. Na ocasião também foi ratificado um documento “Saúde e Democracia”, no qual eram defendidos os princípios que deveriam orientar uma nova política de saúde.


Isso tudo culminou na elaboração de uma proposta de política pública com a finalidade de promover a justiça social superando as desigualdades na assistência à saúde da população.


Assim sendo, a elaboração e a implantação do SUS significou uma ruptura com o caráter das políticas sociais autofinanciadas de períodos anteriores e essa ruptura só foi possível graças à intensa mobilização dos atores sociais na área da Saúde.


Atualmente o sistema público brasileiro de saúde é para todos, sem qualquer discriminação. Desde a gestação e por toda a vida, a atenção integral à saúde é um direito de todos e dever do Estado. Após a redemocratização o sistema passou a ser descentralizado, municipalizado e participativo com milhares de conselheiros de saúde.


O modelo também mudou de médico-hospitalar para saúde básica com ênfase na promoção, proteção, recuperação e reabilitação. O conceito de saúde passou a ser entendido como qualidade de vida e não mais como ausência de doenças.


As propostas políticas de saúde foram estabelecidas na constituição de 88 no rol dos artigos 196 ao 200 dando origem a todo arcabouço legal da Política de Saúde, como o SUS, LOS, NOB SUS, etc.
O SUS foi regulamentado 2 anos depois da promulgação da constituição, em 1990, com as leis 8.080 de 19 de setembro e 8.142 de 28 de dezembro.

Diz o texto constitucional:

SEÇÃO II – Da Saúde

Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

“A saúde é direito de todos” - nem sempre a saúde foi um direito de todos, portanto, a 1° frase do artigo 196 da CRFB/88, representou o marco histórico da conquista da saúde como direito social fundamental do homem.

Ele rompe completamente com o modelo de assistência a saúde anterior, já sabemos que ele era excludente, pois só quem estava filiado à previdência social tinha direito a saúde pública, quem estava fora do mercado, até mesmo desempregado, tinha que buscar assistência na Santa Casa.

Com a redemocratização e advento da constituição de 1988, a saúde passa a ser um direito de TODOS, inclusive o estrangeiro que se encontrar em território nacional, deverá ser atendido pelo SUS, caso venha necessitar. Sem dúvida nenhuma isso representou um grande avanço.

Em relação ao “dever do Estado” para com a saúde, isso significa que o Estado tem o dever de realizar implementos e acessos significativos para as pessoas terem o direito à saúde efetivado, e diante disso, o Estado também tem a imposição constitucional de promover a saúde, não somente curando e prevenindo doenças, mas também modificando o sistema social, através de uma construção mutante, que eleva cada vez mais a qualidade de vida, que está muito bem expressa nos direitos equivalentes do art. 3 º da Lei n º 8.080/90.

Importa deixar claro que a não atuação do Estado para com o direito à saúde, dá ao cidadão o direito a uma eventual ação judicial e/ou administrativa quando o Estado não desempenhar o seu dever de promover e garantir a saúde.


Na segunda parte do artigo temos o seguinte: garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos” . Isso quer dizer que a atuação estatal no sentido de prevenção, se dará através da saúde preventiva.

Esta prevenção vai se dar na ATENÇÃO BÁSICA, através do Programa Saúde da Família, atualmente conhecido como Estratégia de Saúde da Família, onde serão tratados por exemplo, a hipertensão e outras doenças.

Em seguida o artigo institui “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” para qualquer ser humano, independente de raça, credo, cor, religião, etc. Assim, todo e qualquer cidadão, inclusive o estrangeiro, tem o direito à saúde, e, portanto, direito de ser atendido pelo sistema Único de Saúde respeitando os valores culturais e individuais de cada um.

  • Já o artigo 197 diz o seguinte:

Art. 197. “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

Isso significa que as ações de saúde no nosso país, qualquer ação ou qualquer serviço de saúde é de relevância pública, quer dizer que o Estado poderá fiscalizar, regulamentar e controlar essas ações, mesmo que exista um serviço de saúde particular, por exemplo, o Estado irá fiscalizar e controlar, por isso que ele põe que são de relevância pública as ações e os serviços de saúde pública.


Então, à direção nacional do SUS, no que tange ao Ministério da Saúde, por seu representante, o Ministro da Saúde, tem a competência de regulamentar as matérias externadas no art. 16 da Lei n º 8.080/90. À direção estadual do Sistema Único de Saúde, por seu representante, o Secretário de Saúde do Estado, compete o designado no art. 17 da Lei do SUS. Por fim, à direção municipal do SUS, através da Secretaria Municipal de Saúde, por representante, ou seja, o Prefeito ou o Secretário de Saúde, incide na regulamentação de acordo com o art. 18 da Lei n º 8.080/90.

Essa é toda a hierarquização do sistema único de saúde, ao qual, cada esfera do Poder Público, designa a regulamentação, fiscalização e controle da saúde, nunca contrariando o mandamento superior, por isso, o sistema de saúde é hierárquico e regionalizado.
Agora irei comentar o artigo 198, vejamos o que diz o texto constitucional:
Art. 198. “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes": (EC no  29/2000, EC no 51/2006, EC no 63/2010 e EC no 86/2015)

As ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo-se em um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

Essas diretrizes vão trazer a ideia tanto da regionalização quanto da hierarquização, além da participação da comunidade como controle social, ou seja, como a sociedade interfere na gestão do sus.


A descentralização do Sistema Único de Saúde, trouxe muitas vantagens para a fiscalização e o controle do mesmo, pois, podem ser exercidas com mais eficiência e vigor pelo fato de serem executadas de forma descentralizada, estando seus agentes (secretários de saúde, vereadores, prefeitos, deputados, etc.) mais próximos da comunidade, ao mesmo tempo essas ações se interligam num sistema nacional, mantendo, assim a unicidade do SUS.

Quanto a participação da comunidade no controle e fiscalização na área da saúde, conforme o disposto no art. 198, III CRFB/88, é feita através de duas instâncias colegiadas a saber:

  1. A Conferência de Saúde, que avalia a situação da saúde e propõe a formulação da política de saúde no nível correspondente – art. 1 º, § 1 º, da Lei n º 8.142/90
  2. O Conselho de Saúde, que formula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde na instância correspondente – art. 1 º, § 2 º, da Lei n º 8.142/90.

Art. 199. “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.

Quanto ao artigo 199, este estabelece a saúde complementar devendo seguir as diretrizes do SUS, poderão participar desse sistema hospitais particulares, entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.

Art. 200. “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (EC no 85/2015)”

Já o artigo 200, elenca outras atribuições do SUS, pois o sistema só foi regulamentado em 1990, com a lei 8.080 - Lei Orgânica da Saúde e 8.142 -  que dispõe sobre a participação da comunidade e transferências intergovernamentais. Até os dias atuais a saúde pública vem ganhando leis que efetivam o direito à saúde e estruturam o SUS.

Cada inciso deste artigo foi regulamentado com alguma lei como por exemplo a NOB SUS - Norma Operacional Básica - que é o instrumento normativo infralegal de operacionalização dos preceitos da legislação que rege o Sistema Único de Saúde, a NOB/RH SUS - Norma Operacional Básica de recursos Humanos - que tem a finalidade estabelecer parâmetros gerais para o trabalho no SUS, a Lei N. º 9.782, de 26 de Janeiro de 1999 que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências, e por aí vai, mas irei explorar cada assunto desse no decorrer do tempo, pois o tema“saúde pública” é extenso.


Portanto encerro por aqui, resumidamente, o assunto “direito a saúde no Brasil na Constituição de 1988”.

CONSTITUIÇÃO/88
SEÇÃO II – Da Saúde



Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa
física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes: (EC no 29/2000, EC no 51/2006, EC no 63/2010 e EC no 86/2015)

I–descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III–participação da comunidade.

§ 1o O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos
do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.

§ 2o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente,
em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de
percentuais calculados sobre:

I–no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro,
não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);
II–no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que
se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso
I, alínea “a”, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;
III–no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso
I, alínea “b” e § 3o
.
§ 3o Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I–os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2o;

II–os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos
Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

III–as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas
esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV–(Revogado).

§ 4o Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de
saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público,
de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos
para sua atuação.

§ 5o Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional,
as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente
comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos
da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial.

§ 6o Além das hipóteses previstas no § 1o do art. 41 e no § 4o do art. 169 da Constituição
Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou
de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento
dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1o As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema
único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio,
tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2o É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições
privadas com fins lucrativos.

§ 3o É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros
na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4o A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos,
tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem
como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado
todo tipo de comercialização.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos
da lei: (EC no 85/2015)

I–controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para
a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos;
II–executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de
saúde do trabalhador;
III–ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV–participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico;
V–incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;
VI–fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional,
bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII–participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII–colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

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